Mestre em Filosofia - Área de Ética, Médico e Psicoterapeuta, Professor Colaborador e membro do Centro Interdisciplinar de Bioética da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP e membro do corpo clínico do Centro de Referência em Reabilitação de Campinas.
RESUMO
Propõe-se nesse estudo uma meta-experimentação com a obra de Soren Kierkegaard “Temor e Tremor” com o objetivo de por a prova um método analítico existencial. Nele, a inteligibilidade de conceitos e categorias que refletem saberes acumulados em vários campos do conhecimento, principalmente na Teologia Filosofia e Psicologia, é obtida lançando-os num plano ortogonal constituído de eixos delimitadores de dimensões diversas e complementares. Através dessa topologia epistemológica, espécie de “Ontologia demonstrada a maneira da Física”, tais conceitos e categorias ganham mobilidade e operacionalidade, uma vez que estão articulados entre si, de tal forma a constituírem quatro campos distintos que definem o plano da imanência. Posto que o princípio ordenador do método é a Finalidade, pode-se designá-lo como teleológico e, uma vez que ele trata de um modelo antropológico transcendental, pode-se classificá-lo como Ontológico e finalmente, como método para o conhecimento é essencialmente epistemológico. Dessa forma, buscou-se a compreensão do fundamento último da Pessoa humana, ou seja, um ser em busca por sentido, que sujeita a perigosos desvios, é essencialmente busca de autotranscendência que ocorre, no entanto, no plano da imanência e é nesse campo que se imprimem as tensões e tenções entre o ser e o dever-ser. Porém, na medida em que esse homem busca o Logos, é forçosamente levado a ordenar o caos, transformando-o em cosmos e, dessa forma, cabe-lhe paradoxalmente, ampliar, indefinidamente, o campo da imanência.
Palavras chaves: Autotranscendência, Epistemologia, Ética, Dialética, Imanência, Teleologia, Topologia, Transcendente.
PARA UMA ANALÍTICA EXISTENCIAL
Mais que a existência
É um mistério o existir, o ser, o haver
Um ser, uma existência, um existir –
Um qualquer que não este por ser este –
Este é o problema que perturba mais.
O que é existir, não nós ou o mundo –
Mas existir em si? (Fernando Pessoa).
A cognição humana é território que a fenomenologia pode desvendar e dessa forma, desenha-se o desafio de desenvolver uma analítica existencial efetivamente calcada nos fenômenos observáveis no indivíduo e na sociedade. Aqui se propõe um método que pretende contribuir para reatualizar uma ética deontológica, legitimando-a através de uma teleologia de tal forma que, ao lado das forças pulsionais e da razão, também a atração dos valores mostre caminhos reais para a emancipação do indivíduo na Pessoa humana. Para tal intento, não se abdicara de uma topologia sistemática e de caráter epistemológico. Sabemos que a geometria projetiva para o “espaço e o tempo” compete à Física enquanto disciplina, no entanto, sem a pretensão inicial de estabelecer um modelo matemático ou mecânico, a escolha de uma métrica de eixos ortogonais, como veremos, não é arbitrária, antes remete ao território do simbólico. Tais modelos são utilizados em inúmeros campos do conhecimento para demonstração de conceitos abstratos, pois a representação geométrica permite, de fato, não só situar os conceitos no plano epistemológico dando-lhes inteligibilidade e operacionalidade, mas, muito mais do que isso permite deduzir novos conceitos e categorias. Será que essa linguagem pode nos dizer, por estranhos e numinosos caminhos, como as coisas e os homens são, como deveriam ou poderiam vir a ser? Pretende-se nesse caminho, até para se evitar um excessivo formalismo ontológico, seguir pela crítica gnosiológica e embora sem a pretensão de se construir um sistema, este método não prescinde de um princípio ordenador que, no plano teórico-conceitual, será a Finalidade por meio do qual será atribuída a cada conceito ou categoria, no todo, seu lugar e função. Como toda construção teórica, esta representação não deve abdicar do crivo experimental, caso proponha-se a possuir validade científica. Daí, neste estudo, a partir do modelo proposto, será empreendida uma meta-experimentação a partir da obra de Sören Kierkegaard, “Temor e Tremor”. Sabemos que, em tal ensaio, o autor evoca um “paradoxo” capaz de levar à suspensão teleológica, ou seja, a suspensão dos juízos morais/éticos diante daquilo o qual define como “trevas da fé”; tal problemática será tratada e, dentro do método, se buscará reconstruir tal dialética em termos inteligíveis.
METODOLOGIA E ARQUITETURA DO MODELO
Tornar geométrica a representação, isto é, delinear os fenômenos e ordenar em série os acontecimentos decisivos de uma experiência, eis a tarefa primordial em que se firma o espírito científico (Gaston Bachelard).
No discurso filosófico a questão da moralidade faz com que se manifestem séries de polaridades, das quais assume papel fundamental a polaridade entre sociedade e indivíduo. Decorrentes naturais das polaridades são as tensões que se estabelecem e para as quais um princípio ordenador, espécie de grandeza vetorial, deverá ser capaz de estabelecer resultantes, neste “jogo de forças”. É no plano da imanência que atuam tais forças as quais, apelando para categorias metafísicas, chamarei em seu movimento ascendente de Logos e no descendente de Conato (Diagrama 1).
O conceito Conato apresenta particularidades conforme utilizado por Hobbes, Leibniz ou Espinosa, no entanto, do ponto de vista topológico, se identifica muito mais com o campo da imanência. Tal conceito, de maneira mais restrita, deve ser entendido no mesmo sentido que o utilizado por Aristóteles, ou seja, no de esforço e de um agir segundo a natureza e sempre correspondendo a um impulso natural. Mais complexa é a definição de Logos, uma vez que este conceito pode ser entendido no sentido teológico, metafísico além de lógico e epistemológico, portanto, para fins operativos, o Logos aqui será compreendido como realização metafísica do sentido. Desta forma o Logos e o Conato remetem obrigatoriamente, pelo menos empiricamente, a sistemas ou estruturas de ordenação complexas que configuram finalidades num campo que convencionamos chamar de plano ou território. Neste território, os conceitos como autoteleologia e heteroteleologia, serão traduzidos como individuação e associação respectivamente. Por outro lado, O princípio da individuação fundamenta e confere cunho individual a todo o fundo ontológico de um ente, enquanto o princípio da associação pode ser entendido tanto como algo de material ou psíquico, nesse último caso, como comunicação ou intersubjetividade. Desta forma, estes princípios configuram um só eixo horizontal e estão postos dentro do plano da imanência, concebido, ainda que de forma crítica, como descrito por Deleuze/Guattari:
O plano da imanência tem duas faces, como pensamento e como Natura, como Physis e como Noûs. É por isso que há sempre muitos movimentos infinitos presos uns nos outros, dobrados uns nos outros, na medida em que o retorno de um relança um outro instantaneamente, de tal maneira que o plano de imanência não para de se tecer, gigantesco tear. (O que é a filosofia? p. 54 e 55)
Por outro lado, do ponto de vista epistemológico, o plano da imanência, nesse estudo, pode ser identificado com o Englobante (1) de Jaspers (JASPERS, 1968, pp. 43-59). Esse eixo ou coordenada cinde e é cindido por outro eixo, esse vertical, formando um plano ortogonal, espécie de gráfico cartesiano no qual, por definição, o ponto onde os eixos se interceptam é denominado origem, origem de vetores de mesma direção e sentidos opostos. Na representação que vai se construindo a partir de conceitos polares orientados pela Finalidade, quer do ponto de vista epistemológico no caso da autoconsciência, quer do ponto de vista ontológico e lógico no caso da supramundanidade e dos transcendentais respectivamente, o conceito de transcendência pressupõe obrigatoriamente o axiológico que, afinal, não encontra simetria no território da imanência. Ora, a busca do conceito antitético adequado ao de autotranscendência, inevitavelmente, faz surgir a possibilidade “herética” da introdução do conceito de subtranscendência, aqui utilizado no sentido oposto ao de autotranscendência, ou seja, como movimento negativo em direção ao caos. Daí, é no eixo vertical que a fundamentação se torna mais complexa e de certa forma temerária posto que, embora parcialmente imerso na imanência, tal eixo é postulado como sonda do insondável, do Supramundo e do Caos, espécie de Axis mundi (2) Para onde conduz ou aponta o eixo vertical? Posto que tais reflexões remetem obrigatoriamente a questões metafísico-teológicas, cabe aqui delimitar tais conceitos ao campo do patológico, pathos do homem e quiçá da própria filosofia como sugerem Gilles Deleuze; Félix Gualttari,:
Precisamente porque o plano de imanência é pré-filosófico, e já não opera com conceitos, ele implica uma espécie de experimentação tateante, e seu traçado recorre a meios pouco confessáveis, pouco racionais e razoáveis. São meios da ordem do sonho, dos processos patológicos, das experiências esotéricas, da embriaguês ou do excesso. Corremos em direção do horizonte, sobre o plano de imanência; retornamos dele com olhos vermelhos, mesmo se são os olhos do espírito. (O que é filosofia, p. 58-59).
No diagrama 2 podemos vislumbrar que o eixo vertical (Axis mundi) transpassa o próprio plano da imanência apontando, em seu movimento ascendente, para o Cosmos e, no descendente, para o Caos. E por outro lado, do vetor direcionado à sociedade derivam os seguintes conceitos: associação e interdependência; do vetor direcionado ao indivíduo derivam os conceitos individuação e autonomia.
Cumpre finalmente dar aos eixos ortogonais, uma estruturação concisa, nomeando-os em primeiro lugar como vertical e horizontal e, é importante ressaltar, constituem dimensões de naturezas diversas e não antitéticas. Da tensão entre essas duas dimensões, vale reafirmar, no modelo, se estabelece o Plano da Imanência compreendido esse como o englobante de Jaspers e que, dessa forma, hospeda conceitos que habitarão esse eixo vertical seguindo caminhos inteligíveis dentro do método proposto, a exemplo dos conceitos acoplados: Idéia/Cultura em oposição aos conceitos Matéria/Natureza, conforme se pode observar não diagrama 3.
Esse plano da imanência é delimitado no eixo horizontal, pela história, ou seja, a partir do surgimento do homem como indivíduo e como sociedade e no eixo vertical, delimitado pela transcendência no vetor ascendente e pela subtranscendência no vetor descendente. Neste plano em sua horizontalidade, situa-se a consciência empírica como individual/corporal e coletiva/filogenética como pode ser observado no diagrama 4.
Em sua verticalidade situam-se no campo superior, com fundamentação híbrida metafísico-psicológica, as condutas abarcando essas a consciência-moral portadora de razão e vontade-livre e presentes na categoria do espiritual. No campo inferior, os comportamentos, abarcando estes os instintivos e as pulsões, ambos contidos na categoria do psicofísico. Até esse ponto, vem sendo gradualmente justificada a estrutura básica do plano em seus dois principais eixos. Há, no entanto, uma infinidade de eixos que instauram infinitos planos; o número deles é proporcional ao número de conceitos existentes hoje e em todos os tempos. Os conceitos futuros poderão habitar esse espaço com tanto conforto ou mais que os presentes. No entanto, é a partir dos eixos ortogonais que se desenha o método, pois será no espaço delimitado por eles, os quadrantes, e das tensões estabelecidas entre as polaridades horizontais indíviduo x sociedade e verticais corpo x espírito que se desenvolverão as mais fecundas experimentações (Diagrama 5).
DA INTEGRALIZAÇÃO DOS CONCEITOS AOS CONCEITOS INTEGRALIZADORES – UMA HIPERDIALÉTICA.
Encontrar uma língua; De resto, toda palavra sendo idéia, virá o tempo de uma linguagem universal! É preciso ser acadêmico, - mais morto que um fóssil, - para aperfeiçoar um dicionário, seja em que língua for. Se um fraco se pusesse a pensar na primeira letra do alfabeto, bem depressa poderia precipitar-se na loucura (Carta do Vidente, Rimbaud).
O gráfico ortogonal funda através dos eixos x e y um plano (protoplano) que, na verdade, delimita quatro territórios a que chamaremos de quadrantes. Traçados os quadrantes no protoplano, cabe então colonizar esses territórios com novos e velhos conceitos. Essa colonização significa derivar de duas dimensões de naturezas diversas, representadas pelos protoeixos, conceitos integralizadores. Conceitos precisos, situados no cruzamento de linhas perpendiculares traçadas a partir dos conceitos presentes nos eixos originais (coordenadas) e que incorporam a essência dos conceitos referenciais respectivos em um movimento que, tomando emprestado o conceito de Merleau-Ponty, chamo de hiperdialética:
Em outros termos, o que procuramos é uma definição dialética do ser, que não pode ser nem o ser para si nem o ser em si – definições rápidas, frágeis, lábeis e que, como disse Hegel muito bem, nos levam uma à outra – nem o Em-Si-para-si, que leva a ambivalência ao máximo (uma definição), que deve reencontrar o ser antes da clivagem reflexiva, em torno dele, no seu horizonte, não fora de nós e não em nós, mas onde os dois movimentos se cruzam onde “há” alguma coisa (O visível e o invisível. pp. 95-96).
Neste modelo, os conceitos e categorias são mais do que simples instrumentos operativos de identificação de tensões e pulsões. Na medida em que são, tais categorias, preexistentes aos próprios conceitos e de certa forma existindo como fenômenos independentes, são inominadas e emergem de uma outra espécie de cálculo vetorial se articulando no plano de uma estrutura preexistente do Ser. O plano proposto, em relação ao Ser, mais do que simplesmente qualificativo e operativo é constitutivo e, portanto para além de topológico, é ontológico. Um plano no qual os vetores designam, não simplesmente tensões, mas intenções (3) e dessa forma, inteligivelmente, prestando-se à superação da armadilha do reducionismo dimensional, ou seja, de uma pura verticalidade axial ou de uma pura horizontalidade imanente. Como conseqüência, o modelo aqui proposto pode apontar formas de se analisar paradigmas existenciais que delimitam as formas de ser no mundo de cada indivíduo e de cada sociedade. É nesse “plano da imanência" que se situam conceitos que são usuais no campo da ética, da psicologia e da antropologia filosófica e da própria teologia e que são sínteses dos atributos derivados das duas dimensões pressupostas nos eixos ortogonais (Diagrama 6).
Seguindo a mesma linha de reflexão, infere-se que uma mediação dialética direta a partir de conceitos vetorialmente de mesma direção e sentidos opostos é um relacionamento de exclusão, produzindo tão somente conceitos vazios. Tal se dá, na medida em que conceitos em oposição polar não são conciliáveis ou superáveis por conceitos de “categoria superior” no mesmo eixo ou direção; são isto sim neutralizáveis, exceto por um, que veremos adiante, anulam-se mutuamente e essa anulação se manifesta como propriedade da ortogonalidade, no ponto de entrecruzamento dos eixos ou origem, convencionado zero. Segue daí que no ponto de interseção dos vetores vertical e horizontal encontra-se uma espécie de zona neutra conceitual entre a pluralidade e a unidade; entre a autotranscendência e a subtranscendência e entre o ser e o nada. Decorre dessa linha especulativa que, o ponto zero é uma espécie de ponto germinal ao qual o único conceito adequado é o de Potência. É possível exemplificar esse último ponto a partir dos conceitos polares Ser e Não-Ser ou ainda Ser e Nada. Absurdos do ponto de vista da lógica formal, seriam conceitos do tipo “Ser Nada” ou “Nada Ser” de certa forma nulos conceituais a não ser pelo único conceito integrador admissível o de potência, inclusive enquanto potência pura. De outra forma, isolado no paralelismo ortogonal dos proto-eixos, preso à horizontalidade torna-se o homem pura objetivação, puro objeto passivo isolado ou agregado e, preso à verticalidade torna-se apenas idéia ou sombra. Transposto para o processo de integralização (hiperdialética), temos então uma demonstração geométrica das sistemáticas críticas filosóficas aos reducionismos chamados, na polaridade vertical, de materialismo e idealismo e, na polaridade horizontal, de individualismo e coletivismo. Ampliando a abrangência da crítica epistemológica para o território dos quadrantes, encontraremos os quatro grandes reducionismos: o moral, o ético, o estético e o genético (Diagrama 7).
Embora com alguns referenciais teóricos comuns, o método ora proposto não pode prescindir de uma axiologia, sob pena de se tornar mais uma forma de reducionismo. No método pressupõe-se um universo de valores hierarquizados e que gravitam no horizonte do plano da imanência, capazes de atrair, teleologicamente, o ser humano. De outra forma, as ações humanas e sua patologia, novamente, passariam a ser reduzidos apenas às resultantes de forças pulsionais trabalhando em várias direções. A imagem de ser humano não deve comportar qualquer tipo de reducionismo, especialmente quando palmilhamos o caminho da Ética. Na tentativa de explicar o seu agir como mero comportamento, tornamos a imagem de homem muito menos que humana e por outro lado, a sua redução à pura conduta a torna mais, muito mais que humana. Eis ao que se resumem os reducionismos: materialismo e espiritualismo, o primeiro é o “ser com o mundo” o segundo é “ser fora do mundo”, ambos, em última instância, formas de “não ser” seja na pura horizontalidade, seja na pura verticalidade. A escolha humana é e sempre será entre o ser e o não ser, em suma, entre a pessoalidade do ser no mundo (Dasein) como espírito animado e a impessoalidade do nada ser na matéria inanimada. Decorre do que foi exposto que, tomando-se o conceito de Finalidade em seu sentido ascendente como Amor metafísico (sentido para a vida) em direção ao Logos/Ser e em seu sentido descendente como puro desejo (conato) e transpondo-o para o método que ora se desenvolve sob uma concepção dinâmica, espécie de grandeza vetorial, a existência somente é concebível enquanto uma resultante das forças presentes nos dois eixos ortogonais. Tal arquitetura projeta, na representação de uma esfera, uma totalidade ou território da imanência secionada por um plano que, na existência humana, abarca o condicionamento ao topos psicofísico enquanto pura concretude (Diagrama 8).
Há que se advertir que a perfeição da esfera, por exemplo, na visão da metafísica medieval (4), não se presta a representação da totalidade humana, pois esta última toma incontáveis formatos na individualidade do ser e na pluralidade da sociedade. A mesma advertência nos faz Lima Vaz no sentido de evitar-se concessões ao solipsismo ao mesmo tempo em que reconhece a metáfora do centro como inevitável na representação do espaço-tempo humano. Espaço no qual têm lugar às relações de objetividade e intersubjetividade e cujo centro são, necessariamente, os sujeitos concretos:
Pela relação de intersubjetividade a situação mundana do Eu é suprassumida no círculo intencional do ser-com-o-outro: um círculo que lembra a esfera infinita de Nicolau de Cusa e Pascal, pois seu centro está em toda a parte onde quer que o Eu irradie a sua presença pela linguagem (VAZ, 1992, p. 60, 85).
Dessa forma, o desvendar dos fenômenos, que aqui se busca, não se dará por uma má dialética, como designada por Merleau-Ponty, mas como esse mesmo autor sugere, através de uma hiperdialética, um movimento dialético que não desconhece as superações concretas, parciais e deficitárias que ocorrem no mundo real, no pensamento, no comportamento e na história.
Por princípio, o pensamento dialético exclui toda extrapolação, porquanto ensina que sempre pode haver um suplemento de ser no ser, que diferenças quantitativas tornam-se qualitativas, que a consciência como consciência do exterior, parcial, abstrata, sempre se decepciona com o acontecimento: entretanto, este escapar da vida e da história que resolve os problemas diferentemente do modo pela qual o teria feito a consciência do exterior (às vezes melhor, às vezes menos bom) é compreendido como um vetor, uma polaridade do movimento dialético, uma força preponderante que sempre trabalha no mesmo sentido, que franqueia o processo em nome do processo e autoriza, pois, a determinação do inelutável. E assim é, desde que o sentido do movimento dialético é definido fora da constelação concreta. A má dialética quase começa com a dialética, só é boa dialética aquela que se critica a si mesma e se ultrapassa como enunciado separado; a boa dialética é hiperdialética (Merleau-Ponty, pp. 95-96).
É através dessa hiperdialética que ousamos, então, uma incursão pelo pensamento de Kierkegaard, esse primeiro filósofo existencialista, que levou ao extremo as críticas à metafísica hegeliana, por considerá-la como um monismo do Espírito que, impregnada de um otimismo da Razão, ignorava o mal e a tragédia da existência. Será a partir das reflexões deste filósofo, crítico da dialética hegeliana, que o “método hiperdialético” mostrará suas virtudes e tal não será por outra razão que não a da profunda afinidade entre a cosmovisão kierkegaardiana e o presente construto. Desta forma, é o movimento infinito da teodicéia do cavaleiro da fé de Temor e Tremor que se pretende compreender, para além do absurdo e da suspensão teleológica da moralidade.
O HOMEM RELIGIOSO E A TENSÃO ENTRE O UNO E O MÚLTIPLO
A deserção da morte está encerrada na vida; sem ela não haveria vida, e a posição do Homo Dei acha-se no meio, entre a deserção e a razão, entre a coletividade mística e o individualismo inconsistente.” (A Montanha Mágica - Thomas Mann).
Que me seja aqui permitido intentar o improvável; corro assim o risco de passar por arrogante, mas a tentativa de conciliação entre a coletividade e o indivíduo não deixa de ser a tentativa de compreender o paradoxo da fé, como assim define Kierkegaard, o movimento do infinito na figura de Abraão:
É agora meu propósito extrair da sua história, sob forma problemática, a dialética que comporta para ver que inaudito paradoxo é a fé, paradoxo capaz de fazer de um crime um ato santo e agradável a Deus, paradoxo que devolve a Abraão o seu filho, paradoxo que não pode reduzir-se a nenhum raciocínio, porque a fé começa precisamente onde acaba a razão (KIERKEGAARD, 1979, p. 140).
A questão colocada por Kierkegaard sobre a validade da suspensão teleológica da moralidade pelo movimento da fé, não deixa, de certa forma, de ser a questão da compreensão do papel das cosmovisões e sua relação como o “dasein”. Essa problemática, essencialmente, é a do sentido teleológico, o qual, sempre exige que o fim seja alcançável e dotado de sentido, sob pena do ser então absurdo tender para ele. Obviamente, por ser “absurdo” o processo que, pela fé ou sua absoluta ausência, leva aos movimentos infinitos, a questão que se coloca é a da possibilidade da transcendência enquanto movimento dialeticamente inteligível e dotado de sentido. Tais considerações levam, fatalmente, a inferir que a ruptura com o plano da imanência, ou seja, a transcendência ou a subtranscendência, são movimentos infinitos; movimentos de vertiginosa paixão, acessíveis somente aos “cavaleiros da fé” ou do “caos” e que os levam a ter contato com o Ser e o Absoluto ou com o Nada e o Absurdo. O personagem conceitual representado pelo cavaleiro da fé é aquele que oscila entre os extremos do plano da imanência, entre o coletivo e o individual, mas assim o faz com tanta elasticidade e “elegância” que lhe é permitido quase que “parar no ar”, interromper esse movimento dialético; nas palavras de Kierkegaard, lhe é permitido então, a suspensão teleológica; é o próprio movimento infinito:
A diferença que distancia o herói trágico de Abraão é evidente. O primeiro prossegue ainda na esfera moral. Para ele toda a expressão da moralidade possui o seu TELOS em uma expressão superior da moral; limita essa relação entre pai e filho, ou filha e pai a um modo de sentir cuja dialética é referente à idéia da moralidade. Consequentemente não temos aqui uma suspensão teleológica da moralidade em si mesma. Muito outro é o caso de Abraão. Através de seu ato foi além de todo o estágio moral; tem para, além disso, um TELOS diante do qual suspende esse estágio. Pois eu gostaria de conhecer como é possível reconduzir o seu procedimento ao geral, como é possível descobrir entre o seu procedimento e o geral uma outra relação que não aquela de o ter ultrapassado [O autor prossegue mais adiante]: (p. 74): [...] Este o paradoxo que o leva até ao extremo e que não pode tornar compreensível a ninguém, pois o paradoxo consiste em que se situa como Indivíduo numa relação absoluta com o absoluto. Está, porém, Abraão autorizado a tanto? Se está, eis outra vez o paradoxo, pois não o está em razão de uma participação qualquer no geral, porém na sua qualidade de Indivíduo (Id., 1979, p. 71.).
Pois bem, acaso não será tal suspensão, na verdade, a própria essência teleológica do homem, de tal forma que o movimento dialético somente se torne possível por etapas mediadoras? Mediação que se dá, primeiramente, entre duas dimensões diversas (eixo vertical e horizontal) para, finalmente, se dar entre as duas resultantes do processo; etapa que levará então à superação, à arremetida (5) que, enfim superando o paradoxo, seja pura verticalidade capaz de levar “além” do plano da imanência.. O próprio Kierkegaard entrevê essa possibilidade quando desenha os atributos do cavaleiro do infinito:
Se acreditamos relativamente fácil ser Indivíduo, pode-se estar certo de que não se é cavaleiro da fé: pois os pássaros em liberdade e os gênios vagabundos não são os homens da fé. Ao invés disso, o cavaleiro da fé sabe que é estupendo pertencer ao geral. Sabe que é belo e útil ser o Indivíduo que se traduz no geral e que, por assim dizer, dá de si mesmo uma edição melhorada, elegante, o mais possível correta, que todos podem compreender; sabe quanto reconforta tornar-se inteligível a si mesmo no geral, de modo a entender este, e que todo o Indivíduo que o entender, a ele compreende o geral, ambos usufruindo do contentamento que a segurança do geral justifica (Id. 1979, p. 155).
O extremo atingido, dentro do plano da imanência, no quadrante da coletividade, que é o amor absoluto ao próximo (o filho Isaac) plasmado conceitualmente na Comunidade e, no quadrante da individualidade, que é o amor a si enquanto Pessoa humana são, então, pré-condições para a transcendência, movimento infinito representado pela absoluta verticalidade que arremete para fora do plano da imanência. Pois bem, no plano inferior limitado pela horizontalidade situam-se os conceitos derivados das mesmas dimensões e que configuram as antíteses de Pessoa e Coletividade, respectivamente solipso e massa, identificados com o puro instinto (Diagrama 9).
No próximo diagrama (Diagrama 10) podemos perceber que o modelo abriga as categorias acopladas: sujeito – solipso e massa-território, em oposição às de pessoa – cidadão e comunidade – nação. Da mesma forma como se pode deduzir que a paz e a vontade criadora, no eixo ascendente, são categorias que superam as de pessoa – cidadão e comunidade – nação, será lícito supor ser o instinto de morte e a guerra, categorias que superam os conceitos sujeito – solipso e território – massa no eixo descendente.
Desta forma, inevitável introduzir, dentro desse modelo onto-teleológico, o fenômeno polar desse movimento infinito e que se dá a partir do ódio absoluto (6) ao próximo e o egoísmo absoluto. Sem dúvida há de ser assustadora tal possibilidade em nossa época, pródiga desses dois fenômenos, especialmente quando se antevê, não raramente, na guerra, a oportunidade para a volta do indivíduo ao estado através do sacrifício da própria vida. Diante de uma história repleta de guerras com motivações raciais, territoriais, econômicas e religiosas, que o estado esteja sempre disposto a exigir de seus cidadãos esse sacrifício “heróico”, espécie estranha de transcendência, não há que se duvidar. Decorre, do que até aqui foi exposto, que a autotranscendência por um lado e a subtranscendência por outro, atuam como conceitos integralizadores, nos limites verticais do plano da imanência. Não há, no entanto, limite para o eixo horizontal posto que esse é pura imanência, no entanto também há nesse eixo conceitos integralizadores, mas que nesse caso, esvaziam-se de conteúdo valorativos numa espécie de movimento dialético reverso, manifesto nos conceitos indivíduo (7) integrando pessoa e sujeito e sociedade integrando comunidade e massa. Sobre o esvaziamento axiológico pressuposto nos conceitos presentes no plano inferior da imanência, mais uma vez Kierkegaard tem muito a nos dizer como no trecho que se segue de sua obra “O Desespero Humano”:
A reflexão de quase toda gente prende-se sempre as nossas pequenas diferenças, sem que, naturalmente, se dê conta da nossa única necessidade (porque a espiritualidade está em dar-se conta dela) por isso nada percebem dessa indigência, dessa estreiteza, que é a perda do eu, perdido não porque se evapore no infinito, mas porque se fecha no finito, e por que em vez dum eu se torna um número, mais um ser humano, mais uma repetição de um eterno zero (KIERKEGAARD, 1979 p. 210).
Há que se perguntar, nesse momento, pelos limites pressupostos nos quadrantes e, embora subordinados aos proto-eixos, se as resultantes conceituais caminham também, teleologicamente, para o infinito. A resposta é positiva, na medida em que as resultantes rompem, por assim dizer, a horizontalidade e, dessa forma, apontam para as bordas do plano da imanência. A pergunta desdobra-se na possibilidade ou não de real transcendência por essas vertentes. Nessas resultantes encontraremos sínteses cosmovisionais tais como: Deus Pessoal, Todo-Uno, Deus Ausente e Cosmo-Orgânica (8). Cada uma dessas imagens paradigmáticas da divindade presentes nos quadrantes traz a marca da imanência, derivam elas, em parte, da horizontalidade. No diagrama 11 é possível visualizar, no modelo, a dinâmica hiperdialética que permite a integração de categorias presentes em dimensões diversas, levando à categorias ulteriores, ou seja, sínteses cosmovisionais que podem ser chamadas de ultraconceitos.
Quais são os conceitos que integralizam esses ultraconceitos: Absoluto, Cosmos, Logos, Nada, Caos? É uma questão que há de se colocar com realismo e humildade, pois aqui se chega, mais do que aos conceitos limites, aos limites dos conceitos. Ocorre que tais imagens (imago-mundi), na verdade, correspondem ao que se observa como fenômenos, como cosmovisões (9) presentes em cada pessoa, em cada povo, cada cultura e portanto, dentro de certos limites, são conceitos inteligíveis. É na forma destas cosmovisões que o homem se relaciona com o Infinito (10), no entanto, em geral, tangenciando com maior ou menor inclinação a verticalidade, evitando-a sempre que possível e, dessa forma, mantendo-se firmemente preso ao campo da imanência, seguro pela poderosa atração da horizontalidade. É na perigosa oscilação entre os quadrantes superiores, que ocorre na verticalização, ainda que rápida, a vertigem; é o “cavaleiro da fé”, aquele que ousa se deter, de passagem, na verticalidade, realizando então o movimento infinito. Talvez, o análogo conceitual a teodicéia do “cavaleiro da fé”, situado em sentido oposto, seja a dissolução do “cavaleiro do caos”, esse também oscilando entre dois quadrantes, entretanto inferiores e se aventurando perigosamente às pausas na verticalidade, numa espécie de imersão, mergulho regressivo ao pré-formal. Para que tais reflexões não nos induzam a perder, de sob os pés, o solo firme do plausível, cabe ressaltar que os movimentos infinitos são os movimentos de “personagens conceituais”, quiçá reais como afirma Kierkegaard, mas em geral somente indiretamente acessíveis à abordagem fenomenológica tais como consagrados personagens conceituais presentes na literatura e teatro desde a antiga Grécia até o presente. No entanto, se faz mister retornar ao campo do plausível e, no “mundo real”, mesmo aí, há como se observar fenômenos análogos aos movimentos infinitos expostos anteriormente, ainda que manifestados sob a forma simbólica nos rituais em diversas culturas. Interessantes exemplos são os ritos iniciáticos do xamanismo (11) e a imersão na água simbolizando a regressão ao pré-formal, a reintegração no modo indiferenciada da preexistência. Mas, de maneira geral, o homem, mesmo prezo a horizontalidade, vislumbra o transcendente e a sua maneira peculiar, busca se aproximar dele através da religiosidade, tal como o diagrama 12 busca representar.
O duplo movimento existencial humano, representado pela oscilação entre o coletivo e o individual, a vertigem decorrente da verticalidade assustadora, o agarrar-se firmemente ao imanente mesmo ansiando a transcendência, a inflação do “campo do possível”, é descrito nessa passagem da obra “O Desespero Humano” de Kierkegaard:
O campo do possível não para então de crescer aos olhos do eu, e este encontra sempre mais possível, visto que nenhuma realidade se forma. Por fim o possível tudo abarca, mas é porque então o eu foi tragado pelo abismo[...] Mal o instante revela um possível que logo outro surge, e estas fantasmagorias acabam por desfilar com tal rapidez que tudo nos parece possível, e atingimos então esse instante extremo do eu, no qual este não é mais que uma miragem. Do que ele carece agora, é de real, como também o exprime a linguagem vulgar, quando de alguém se diz que saiu da realidade. Mas ao olhar as coisas mais de perto, vemos que é de necessidade que carece (KIERKEGAARD, 1979, p. 208).
Transpondo tais reflexões ao método ou modelo proposto observa-se que se tornam muito mais claros os limites estabelecidos pela tensão essencial presente, mesmo que de forma oculta, em todas as correntes da Ética e da Antropologia Filosófica nas quais ganha especial visibilidade a antinomia teonomia/niilação que dialeticamente pode pressupor princípios como o da autonomia e da heteronomia/justiça (Diagrama 13).
No enfoque fenomenológico, para que se entenda o movimento infinito, na perspectiva deste modelo, voltemos à Análise Existencial, pois que é através dela que procuraremos entender melhor o fenômeno Fé. Ora, a Fé é uma das Virtudes Teologais, sendo as duas outras, a Esperança e o Amor, este último entendido como amor metafísico, ou Caridade. Segundo Santo Tomás “estas virtudes são as que encaminham para a felicidade sobrenatural” (Ferrater Mora, p.3029), mas sabemos que a Fé, isolada das duas outras Virtudes Teologais, de fato, como adverte Kierkegaard, arremete a um movimento sem sentido nas trevas do absurdo e do desespero como retrata esse autor em “Temor e Tremor”:
O eu é a síntese consciente de infinito e finito em relação com ela própria, o que não se pode fazer se não contatando com Deus. Mas tornar-se si próprio, é tornar-se concreto, coisa irrealizável no finito ou no infinito, visto o concreto em questão ser uma síntese. A evolução consiste pois em afastar-se indefinidamente de si próprio, numa “infinitização”. Pelo contrário, o eu que não se torna ele próprio permanece, saiba-o ou não, desesperado. Contudo o eu está em evolução a cada instante da sua existência visto que o eu Katà dýnamin (em potência) não tem existência real, e não é senão o que será. Enquanto não consegue tornar-se ele próprio, o eu não é ele próprio: mas não ser ele próprio é o desespero (KIERKEGAARD, 1979, p. 208).
Daí, novamente, a abordagem ontológica remeter sempre à teleológica, na medida em que, o papel do homem, desse homem que busca sentido para a vida, o seu logos é, forçosamente, ordenar o caos, transformando-o em cosmos na sua ânsia de transcendência e, dessa forma, paradoxalmente, cabe-lhe ampliar, indefinidamente, o campo da imanência. Eis portanto, que o Logos (12) encontra seu fundamento último na Esperança (13), verdadeira síntese das virtudes teologais, aquela que permite a verdadeira ordenação do caos para transformá-lo então, em cosmos (Diagrama 14).
BIBLIOGRAFIA
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NOTAS
(1) Em relação ao conceito jasperiano “englobante”, que tem como sinonímia “circundante” e “abarcante”. Em Jaspers, o homem toma consciência da autotranscendência, sobretudo nas situações limite (Grenz-Situationen). Ademais, para Jaspers, essa transcendência do homem diz somente que o seu ser está imerso num “todo-circunscrevente” (das Umgreifende) que não acha nunca expressão adequada em nenhuma das coisas intramundanas. (MONDIN, Battista. O homem, que é ele?: elementos de antropologia filosófica. São Paulo : Edições Paulinas, 1980, p. 252).
(2) Assim descreve Mircea Eliade o Axis mundi: “Os três níveis cósmicos - Terra, Céu, regiões inferiores tornam-se comunicantes, a comunicação às vezes é expressa por meio da imagem de uma coluna universal, Axis Mundi, que liga e sustenta o Céu e a Terra, e cuja base se encontra cravada no mundo de baixo (que se chama “Infernos”) Essa coluna cósmica só pode situar-se no próprio centro do Universo, pois a totalidade do mundo habitável espalha-se à volta dela.” (ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano: a essência das religiões. São Paulo : Martins Fontes, 1996, p. 38).
(3) Intencional é tudo o que possui uma orientação (como o ente ao ser, o agente à sua operação e ao objeto da mesma, etc.) Em sentido estrito, intencional é tudo o que possui uma orientação consciente em ordem a um objeto. Neste caso se encontram as representações, conceitos, atos cognitivos e apetitivos de toda espécie. (BRUGGER, 1987 p. 237).
(4) Na verdade a esfera têm um significado que precede em muito a Idade Média: “[...] pode-se dizer que já desde os pré-socráticos, e muito particularmente desde os pitagóricos, a esfera foi considerada a mais perfeita das figuras; tornava-se, pois, quase inevitável referir-se a ela cada vez que se queria dar a imagem da plenitude. O exemplo mais conhecido é o de Parmênides, quando concebeu o ser como perfeito em todas as suas ‘partes’, comparável a uma bem redonda esfera [...]. A idéia da esfera é uma dessas idéias que persistem durante muito tempo, não apenas por transmitir-se de alguns autores para outros, mas também porque ‘ocorrem’ por assim dizer naturalmente, ao espírito humano cada vez que ele tenta compreender o incompreensível e, sobretudo, cada vez que tenta encontra em um a representação figurada a imagem do que é difícil, se não impossível, expressar em palavras. Por essa razão a imagem da esfera é própria particularmente das tendências místicas [...]. (MORA, 2000, p. 869-870).
(5) Aqui a “arremetida” deve ser entendida mais como o “salto” em Kierkegaard visto que se pressupõe, na presente topologia, a impossibilidade da conciliação dos verdadeiros contrários como o que se dá no modelo hegeleano: “Trata-se da metáfora por meio da qual Kierkegaard caracteriza o movimento da existência, movimento essencialmente distinto do devir lógico-metafísico propugnado por Hegel. Com efeito, no sistema de Hegel o movimento se efetua por uma transição que, embora não gradual, não chega nunca a uma ruptura: a mediação intervém com o fim de conciliar os opostos.” (MORA, 2000, p. 2582).
(6) O ódio, designa ao lado do amor a paixão fundamental: “Segundo a relação objetiva a bens ou males atuais, ausentes ou iminentes, S Tomás estabelece no primeiro grupo, como paixões fundamentais, o amor e o ódio...” (BRUGGER, 1987, p. 310).
(7) Aqui vale citar Lima Vaz: “Para alguns autores, entre os quais J. Maritain, o valor central do mundo moderno é o indivíduo, não a pessoa, não havendo, pois, contradição entre a dissolução crítica do conceito de pessoa e o triunfo do individualismo. Para outros, o conceito moderno de pessoa fundado não na Metafísica, mas na noção kantiana de autonomia, foi igualmente suplantado pelo individualismo”.(VAZ, 1992, p. 240).
(8) A Escolástica quando trata de Deus, nesse caso o Deus pessoal, assim se refere: “[...] Deus é espírito puro e, por conseguinte, um ser pessoal o qual, conhecendo-se e amando-se, se possui e governa tudo o mais com sua providência”.(BRUGGER, 1987, p. 125-127) Referindo-se ainda ao agnosticismo coloca a idéia de um Deus desconhecido (pág. 129). O ateu teórico positivo ou duvida da existência de Deus, como não provada suficientemente (é o caso particular do ceticismo) ou reputa impossível toda declaração unívoca acerca de Deus, por ela transcender nosso conhecimento circunscrito ao domínio da experiência (Agnosticismo) ou então está pessoalmente convencido da não-existência de Deus. (pag. 60-61) Ainda em Brugger, segundo se atribua a primazia a Deus ou ao mundo, temos: o panteísmo em sentido estrito, que dilui Deus no universo, e o panenteísmo que vê no mundo um puro modo de manifestação de Deus (o qual corresponde mais ou menos aos panteísmos transcendente e imanente-transcendente. Aparentada com esta é a distinção entre panteísmo e teopanismo: segundo o primeiro Deus subordina-se ao Todo; ao invés, para o segundo o Todo, subordina-se a Deus. (BRUGGER, 1987, p. 311-312).
(9) “Segundo se atribua a primazia a Deus ou ao mundo, temos o panteísmo em sentido estrito, que dilui Deus no universo e o panenteísmo que vê no mundo um puro modo de manifestação de Deus. Aparentada com esta é a distinção entre panteísmo e teopanismo: segundo o primeiro Deus subordina-se ao Todo; ao invés para o segundo o Todo subordina-se a Deus”.(BRUGGER, 1987, p. 311-312). Nesta topologia o Panteismo se refere ao Deus que realiza-se e manifesta-se nas coisas (Espinosa, Goethe, Scheleiermacher, Eucken) Deve-se incluir aqui também o pampsiquismo, que considera o Todo animado por uma alma ou razão do mundo. Assim procura o panteísmo biológico explicar a finalidade interna e a hétero-finalidade próprias dos organismos.
(10) “Nem o humanismo ateísta (‘a la Feuebach), nem o socialismo ateísta (‘a la Marx), tampouco a ciência ateísta (‘a la Freud ou Russel) conseguiu substituir a religião. Pelo contrário, quanto mais as ideologias, estas convicções seculares de fé, foram perdendo em credibilidade, tanto mais as religiões, as antigas e novas convicções de fé religiosas, foram ganhando terreno. Hoje em dia falam-se antes de uma era pós-ideologias do que de uma era pós-religiosa”.(KUNG, 1998, p. 70).
(11) É interessante citar a esse respeito Mirecea Eliade, numa passagem de “O Sagrado e o Profano” tratando da estrutura do simbolismo aquático: “Uma das imagens exemplares da Criação é a ilha que subitamente se” manifesta “no meio das vagas. Em contrapartida, a imersão na água simboliza a regressão ao pré-formal, a reinteg