Helio MACIEL FILHO 
São Paulo - Brasil

 
A ANTROPOLOGIA FILOSOFICA DE SOREN KIERKEGAARD E SUA RELAÇÃO COM O IDOSO QUE PRATICA ATIVIDADE FÍSICA
RESUMO

O artigo científico aqui apresentado irá descrever dados observados por um profissional de Educação Física, em trabalho de campo, o qual atua com pessoas idosas em um programa de reabilitação física. Como o idoso já possui uma “história corporal consolidada”,surge a necessidade constante de relacionar as alterações corporais e existenciais percebidas tanto pelo professor responsável quanto pelo próprio aluno e, relacioná-las com a antropologia filosófica de Soren Kierkegaard.

Palavras-chave: Estético. Ético. Religioso. Alterações existenciais.

Introdução
        O presente trabalho tem o objetivo de relacionar a Antropologia Filosófica de Soren Kierkegaard com as respostas corporais e existenciais observadas no idoso que pratica regularmente um programa de exercícios físicos de reabilitação.
       Objetiva-se, desta maneira, esclarecer as seguintes questões:
  • O trabalho corporal constante irá alterar a percepção existencial?
  • A imagem corporal se modifica no idoso que pratica exercício físico regularmente?
  • A prática regular do exercício físico irá melhorar o padrão estético, ético ou religioso?
        Como o idoso traz consigo uma bagagem de vida afetiva, corporal (prática esportiva), psíquica, moral, social e religiosa, observamos através dos dados coletados que existe uma forte correlação da teoria de Kierkegaard com a atividade física praticada por esta população.
       Gostaria de esclarecer que quando novos alunos iniciam um programa de reabilitação, eles chegam quase sempre com a mesma preocupação: o seu corpo. Geralmente não estão contentes com determinada parte do corpo, ou um músculo que não está bem fortalecido ou alongado, sentem-se cansados facilmente, já sentem as dificuldades de doenças degenerativas, têm hipertensão ou diabetes e até mesmo possuem uma imagem corporal de si mesmo, distorcida. Quando digo distorcida quero dizer que uma pessoa, por exemplo, é muito magra visualmente para quem a observa, mas, ao desenhar seu próprio corpo o desenha um tanto sempre mais gordinho do que realmente é, ou vice-versa.

DESENVOLVIMENTO

      Baseando-se nas anotações diárias e observações visuais realizadas por um profissional de Educação Física, conseguimos reunir elementos teóricos e práticos para coleta de dados. Além disso, a sensação e a percepção física foram também relatadas por parte dos alunos. A primeira atitude é nos aproximarmos do indivíduo ou do grupo a ser estudado, para observação sistemática, em que existe uma participação rotineira do grupo social. Quando digo rotineira, quero dizer que o grupo que está sendo aqui estudado compareceu de forma regular e assídua ao longo de duas ou três vezes na semana, com uma permanência mínima de uma hora à uma hora e meia por sessão. Construímos, assim, uma alteridade com o grupo. Além das anotações e registros, o profissional deve estar atento e disposto a escutar constantemente o outro, e os outros.
      Kierkegaard escreveu muito, e muita coisa interessante. Para ele existem três modos ou estádios de Existência: o estético, o ético e o religioso e ele mesmo nos relata que a sequência vai iniciar pela estética e terminar no religioso. Salvo algumas exceções, como Dom Bosco, que já desde o início de sua infância ou adolescência foi tocado pelo modo religioso. Mas, como regra geral, existe uma sequência a ser percorrida.
      No “modo estético”, o prazer é que vai dar o sentido; ele vive o momento; ele muda de rumo de acordo com as circunstâncias; é instável; não tem muita coerência em sua vida; se preocupa demasiado com a aparência; se exime da responsabilidade por sua vida e suas escolhas. Resumindo, parece que estamos na infância ou mesmo adentrando a fase da adolescência. Lembrando também, podemos relacionar esse primeiro modo de existência com a fase de formação da “persona” no indivíduo.
      No “modo ético”, a responsabilidade e o dever aparecem mais fortemente; tem o casamento como algo obrigatório; tende a escolher entre o bem e o mal; reconhece seus atos e assume responsabilidades que o levam a se preocupar; idealiza sua existência; sua vida é governada por normas morais; vive de forma mais consciente; tem um ideal e projeta aspirações. Resumindo, parece que estamos saindo da adolescência ou mesmo adentrando a fase adulta.
      No “modo religioso”, caracteriza-se por profunda relação com o sagrado; vive sua atenção voltada ao eterno; envolve primordialmente a fé; tem acentuada consciência religiosa; grande experiência da interioridade; prioriza a humildade; questiona que está preso ao seu corpo e assim não poderia viver completamente na eternidade. Resumindo, parece que estamos saindo da fase adulta e adentrando a velhice.

       Ocorre que ao iniciar os treinos, de uma forma geral, os alunos se preocupam muito com a aparência, mostrando que o “modo estético”, citado acima, está naquele momento prevalecendo. Digo naquele momento porque os modos existenciais propostos por Kierkegaard vão, geralmente, se alternando. Existem momentos da nossa vida que estamos mais estéticos, em outros mais éticos e, em outros ainda, mais religiosos, mas de uma forma geral, eles irão caminhar juntos, principalmente no idoso. Eu não vou conseguir ser somente uma pessoa estética a vida toda, vou precisar da ética e da religião para avançar existencialmente. Na medida em que os treinos vão avançando, depois de alguns meses, observamos e ouvimos os relatos dos próprios alunos que muita coisa está mudando. Observamos nos alunos que vai prevalecendo uma imagem corporal mais uniforme e consolidada para ambos, o observador e o observado. Observamos também numa fase posterior, após esses meses iniciais, que o próprio corpo com suas alterações irá induzir a psique a adentrar a “fase ética”. Falamos em indução porque o corpo percebe cada vez mais a psique e vice-versa. Posteriormente, passamos a observar mais facilmente que os movimentos desses alunos estão mais refinados, coordenados e precisos. A consciência corporal aumenta e com ela vem todo um processo ético. Relacionar-se de forma ética com nosso corpo é fundamental ao longo de nossa vida. A própria forma de se relacionar com os colegas, durante as aulas, nos mostra que ele está evoluindo eticamente. Essa observação da qual estou falando, se refere aos alunos que estiveram em um programa de reabilitação ao longo de aproximadamente vinte anos. Logicamente que vocês devem estar se perguntando: como eu posso relacionar meu corpo a um modelo ético? Na medida em que ele pensa e percebe mais sobre si mesmo e o outro, seu mundo pessoal e social irão se transformar.
       Observando especificamente esse tipo de comportamento e, acompanhando as falas dos alunos, percebemos de forma nítida que eles vão nos relatar posturas mais éticas, perante a si próprios, e ao seu mundo relacional. Para o autor Umberto Regina, “o homem é um relacionamento que se relaciona consigo mesmo, e ao relacionar-se consigo mesmo, relaciona-se com um outro”. Podemos acrescentar que esse mesmo homem vai também relacionar-se com o outro e, quando isso acontece, o componente ético vai tomando forma e se concretizando. Sabemos que o desenvolvimento da ética depende também da construção realizada por vários fatores, tais como: onde nascemos, como fomos criados, quem nos criou, se frequentamos uma escola, como eram meus professores e amigos, com quem convivemos afetivamente, como eram meus parentes mais próximos, como se configura nosso entorno social, como sou influenciado pelos fatores culturais, etc.
       No modo religioso, vemos constantemente a preocupação dos alunos em suas falas com relação ao transcendental ou ao sagrado. Vejamos: o aluno idoso está muito preocupado com relação ao seu final de vida. A dúvida cresce para ele quando faz o seguinte questionamento: para que tanto exercício se não vou viver por muito tempo. Logicamente que explicamos a ele que o exercício somente vai ajudá-lo a ter uma qualidade de vida melhor e que nós não temos controle sobre o nosso destino. Ao mesmo tempo ele questiona dizendo para nós que possui um corpo cansado, e que as dores aparecem do nada e demoram muito para sumir.
      Kierkegaard já demonstrou em sua teoria, como o modo religioso se sobressai com relação aos outros dois citados anteriormente. A fé acaba prevalecendo quando comparada a estética e a ética. Posso ver claramente também, pela fala dos alunos, que existe uma grande preocupação com relação à consciência religiosa levando a um interesse maior pelo desenvolvimento da interioridade.
      Gostaria de exemplificar o “modo religioso” trazendo a fala de uma aluna idosa que esteve em um programa de reabilitação por aproximadamente dez anos, e que estava com uns oitenta anos de idade naquele momento. Era uma aluna exemplar, muito dedicada e inteligente. Conversávamos sobre tudo, desde política, sociedade, família, amigos e religião. Certa vez perguntei a ela como era sua religiosidade, no que ela acreditava, ou mesmo se não acreditava em nada. Ela me disse categoricamente, por várias vezes em nossas conversas, que não acreditava em nada, em nenhum Deus, que não tinha esperança alguma e que depois que as pessoas morrem, tudo acaba.  Tínhamos sempre bons bate papos com relação a esse tema até o dia em que comecei a reparar que ela sempre vinha com uma corrente pendurada no pescoço, na qual continha um santinho com um crucifixo. Não perdi tempo e perguntei a ela porque estava com aquela corrente, já que não acreditava em nenhum Deus.  A resposta dela foi a seguinte: “bom, isso aqui é para me garantir, vai que eu estou errada e Deus existe mesmo”. Esse exemplo citado acima mostra como o modo religioso está presente. Era uma mulher que já havia vivido muito para o mundo estético e ético, mas ainda não tinha certeza absoluta com relação a sua fé, ou mesmo não a havia encontrado ou percebido.
      Neste momento me recordo também de uma frase escrita na casa de Carl Gustav Jung, em Küsnacht, Suíça, quando perguntado sobre Deus ou o Sagrado, ele disse o seguinte: “Invocado ou não, o Deus terá estado presente”. Ou mesmo as ideias de Rudolph Otto, quando ele nos diz que “o sagrado nasce exclusivamente da esfera religiosa, fazendo parte tanto do racional como do irracional, as ideias racionais do absoluto, da perfeição, da necessidade de percepção sensível, e as ideias irracionais nos conduzindo a algo mais profundo que a razão pura, atingindo o fundo da alma, e nos mostrando a ideia do numinoso relacionada a sentimentos puros”.


CONCLUSÃO
       
      Diante de tudo que foi exposto, percebe-se que existe realmente uma forte correlação entre os conceitos da Antropologia Filosófica Existencial de Soren Kierkegaard e a prática regular de exercícios físicos de reabilitação em idosos. Tanto o observador, o professor, como o observado, o aluno, relatam as alterações existenciais em decorrência também das alterações corporais. O modo estético, apesar de ser o primeiro e mais forte fator de influência, por si só não basta para que o ser humano avance existencialmente. Há necessidade de se aprimorar o modo ético e religioso, e conseguiremos isso na medida em que realizamos a alteridade entre corpo, mente e alma.
      Relatamos também que a imagem corporal, mesmo estando teoricamente consolidada na pessoa idosa e construída ao longo de muitos anos, pode ser influenciada e alterada significativamente.

Licenciado em Educação Física e Filosofia.  Pós-Graduado em Psicologia do Esporte, Antropologia e Filosofia Clínica. Aperfeiçoamento e Capacitação em Fisiologia do Exercício.
Afiliação institucional: HMFIT: Reabilitação e Ginástica Terapêutica para Idosos.

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